quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Rotina de criança

Até hoje me lembro da minha rotina diária aos dez anos de idade. Pela manhã, aquela tigela de cereal e, quando não tinha mais, íamos de café com leite e pão com manteiga mesmo – nunca fui de comer frutas no c* da manhã – alguns biscoitos cream cracker com requeijão, talvez. Na escola, a primeira coisa que a professora fazia era corrigir os deveres de casa e dava visto nos cadernos. Em seguida passava os novos, mas eu me adiantava: À medida que ela ia passando as questões, eu ia respondendo – afinal, não queria perder meu tempo livre no resto do dia. Ainda no colégio, brincávamos muito na hora do recreio, levávamos nossos brinquedos, que poderiam ser figurinhas para o “bafin” ou mesmo os tazzos. Aquilo rendia tanto. Assim que chegava em casa terminava os deveres, almoçava, tirava um breve cochilo e ia pra rua – acho que a minha geração foi a última a fazer isso – não tínhamos computador, ou melhor, quase ninguém tinha. Ficar a tarde inteira na rua, brincando de toda sorte de piques, betti, queimada, corrida de tampinhas de garrafa, bolinhas de crica (gude) soltar papagaio (pipas) e é claro, a “peladinha”, onde o único garantido de jogar sempre era o dono da bola. Mas tínhamos métodos próprios para incrementar as brincadeiras. O nosso pique - esconde, por exemplo, era muito diferente dos outros lugares. Em vez de alguém esconder a cara e contar atrás de um muro ou poste, tínhamos um método infalível contra trapaças. Era bem simples. Jogávamos uma bola ou uma lata de óleo vazia numa ladeira próxima. Quando objeto parava de rolar lá em baixo, a pessoa podia descer para buscar. Enquanto isso, os outros iam se escondendo. O ruim era quando tinha muita gente e o salve todos estragava tudo. Torcíamos para que alguém entrasse na brincadeira; era, às vezes, a única maneira de se livrar do pique. Perto de casa, andávamos na linha do trem, subíamos nos pés de frutas e comíamos tudo, até as que não haviam madurado ainda. Isso provocava efeitos não tão bons assim!
Nos tempos de frio e chuva, obviamente, não saíamos muito de casa, embora brincar na chuva fosse um convite tentador. Algumas exceções e pronto! Estávamos debaixo d’água. Mas em casa mesmo fazíamos uma festa. Assistíamos TV, que, na minha época, à tarde, era cheia de atrações para crianças (Chaves, Chapolin, Castelo Rá Tim Bum, animes japoneses na extinta TV Manchete e, mais a noite, o Disney Club). Além disso, jogávamos vídeo-game (Master Sistem, Mega Drive e o fabuloso Super Nintendo com as fitas sopráveis). À noite, fazia chuva ou sol, tínhamos um programa cultural: a novela das oito. Lembro da eterna briga entre Mezengas e Berdinazzi em “O Rei do Gado”, das loucuras de Maria Altiva e o inglês nordestino em “A Indomada”, além do misterioso serial killer em “A Próxima Vítima”. E a pergunta que não calava: Quem explodiu o shopping?
Voltando aos dias “normais”, brincávamos na rua até os nossos pais chegarem do trabalho. Isso era meio que um ritual. Embora sempre algum vizinho velho e chato, ou mesmo as mães que não trabalhavam, contasse tudo que agente fez na rua (incluem-se vidros quebrados e fruteiras esvaziadas sem prévia autorização), nossos pais não podiam nos ver na rua. Se isso acontecesse, em alguns casos, era castigo na certa. A punição mais comum era “ficar sem a rua”. Então esperávamos a hora do Xangai, um trem que trazia todo mundo do Centro da cidade por volta das seis da tarde. Quando ele passasse, era sinal de que o dia terminava, pois os ônibus também começavam a aparecer trazendo nossos progenitores.
Hoje, as crianças não brincam mais na rua, dificilmente chamam amigos para brincar em casa. Tudo é só MSN, Orkut e ferramentas on-line. Ao atravessar a minha rua para chegar ou sair de casa, vejo que e o lugar onde mais brincávamos e ficávamos sentados é tão pequeno. Afinal, nós crescemos e alguns já têm até filhos (no plural mesmo). Ao fazer isso, me lembro da dificuldade que era atravessar a rua com um pé só no pique mamãe-da-rua. Agora é só dar alguns passos para chegar ao ponto de ônibus e ir trabalhar ou estudar, quando não as duas coisas juntas. É! Por incrível que pareça, nós crescemos. Na época de crianças, queríamos ser adultos (muita gente pensava assim), agora somos e vamos eternamente lembrar a época de bacuris. No passado, aproveitamos muito, sem dúvida. Porém a imagem que fica é que poderíamos ter aproveitado mais. Fazer o quê né!
Esse tempo ficará guardado com um extremo saudosismo. Hoje em dia, questões como pedofilia, drogas e violência tiraram nossas crianças das brincadeiras mais saudáveis que já existiram. Os pais (muitos deles foram crianças comigo) parecem não deixar seus filhos viverem como eles. É como se fosse uma realidade diferente. De fato é, mas será que esse tempo volta? Fica aí a pergunta que não vai calar pelas próximas décadas.
Cruj, cruj, cruj. Tchau!